segunda-feira, 30 de abril de 2007

Histórias - "Deus me ajude!"

Houve em tempos em Caçarelhos um homem a quem colocaram a alcunha de "Rachão". O tio "Rachão" tinha mau feitio e era meio surdo, o que o tornava ainda mais desconfiado.

Um belo dia, depois de já ter resmungado com uma série de gente, dirigiu-se com o burro para o tanque da capela, enquanto o animal bebia, deu um pulo para se subir no bicho e afirmou:

- Deus me ajude!

Nesse momento passa por cima do burro e estatéla-se do outro lado, e com os costados no chão a olhar para o lado, a ver se ninguém o viu, volta a afirmar:

- Foda-se! ajuda sim, mas não era preciso tanto!

domingo, 29 de abril de 2007

Histórias - "Cutcho"*


Havia em Caçarelhos um pastor que tinha três filhos, todos rapazes muito afoitos e hábeis caçadores, pelo menos de garganta.

Ora uma bela tarde de verão quase ao escurcer vinha o pastor a descer o Molar, quando ao chegar perto do sobreiro, foi surpreendido pelo lobo que ali lhe abocanhou um cordeiro.
O pastor gritou e logo lhe acudiram os cães e alguns habitantes do fundo da Aldeia, lá conseguiram que o lobo fugisse, não sem antes matar o cordeiro.

Quando chegou a casa o pastor contou o sucedido aos filhos, estes decidiram usar o cordeiro como isco e voltaram a colocá-lo no sítio onde o lobo tinha atacado rebanho. Colocaram o filho mais novo em cima do sobreiro, onde tinha mais visão e onde estava mais seguro, uma vez que era a primeira vez que participava numa espera.

Estava uma bela noite de luar e o sereno de verão tornava a noite agradável, os dois filhos mais velhos depressa se deixaram dormir. Quem não dormia era o mais novo, que no alto do sobreiro tremia, não se sabe, se de frio ou de outra coisa...

Por volta das duas da manhã vê chegar um vulto perto do cordeiro, não podendo acordar os irmãos, apontou a arma, subiu-lhe um calafrio pela espinha e afirmou:

- Cutcho!!!

Nisto acordam os irmaõs e apercebem-se de que o lobo foge a sete pés.

- Pensei que era um perro! - afirmou o mais novo.

* - Nome carinhoso que se dá aos cães.

segunda-feira, 16 de abril de 2007

Histórias - "Pelicos Tortos"

Houve em tempos em Caçarelhos um lavrador, cuja alcunha era "Pelicos Tortos", conhecido de todos por ser extremamente forreta.
Possuia uma terra no "bald'arca" que tinha uma enorme figueira, que carregava de figos no final do verão. Sabendo como o dono era forreta, os rapazes da aldeia roubavam-lhe os figos quase todas as noites.
Uma tarde disse "Pelicos Tortos" para a mulher:
- Maria, faz a ceia cedo, que esta noite vou apanhar quem nos anda a roubar os figos!
Naquele instante passava por ali um rapaz que ouviu a conversa.
Ao escurecer os rapazes à conversa na taverna, ficaram a saber que o nosso personagem estava de guarda aos figos e resolveram dar-lhe uma lição.
Quando chegou a meia noite já "Pelicos Tortos" dormitava empoleirado na figueira, começou então a ouvir ruídos:
- uuuuhhh! uuuuhhh!
Olhou em redor da figueira e viu uma quantidade de vultos brancos, que exclamaram:
- Quando eramos vivos, vinhamos aqui aos figos! Agora que somos mortos vimos pelo "Pelicos Tortos"!
O nosso homem deu corda aos tamancos e correu para casa o mais depressa possível, onde chegou todo borrado. Ora os vultos não eram mais que os rapazes vestidos com lençóis.


Consta que "Pelicos Tortos" nunca mais apanhou os figos...

Trás-os-Montes

Aqui fica o meu tributo ao maior poeta transmontano de todos os tempos:


Um Reino Maravilhoso (Trás-os-Montes)

Vou falar-lhes de um reino maravilhoso.

Embora haja muita gente que diz que não, sempre houve e haverá reinos maravilhosos neste mundo. O que é preciso, para os ver, é que os olhos não percam a virgindade original diante da realidade, e o coração, depois, não hesite.

O que agora vou descrever, meu e de todos os que queiram merecê-lo, não só existe, como é dos mais belos que um ser humano pode imaginar. Senão reparem:

Fica no alto de Portugal, como os ninhos ficam no alto das árvores para que a distância os torne mais impossíveis e apetecidos. Quem o namora cá de baixo, se realmente é rapaz e gosta de ninhos, depois de trepar e atingir a crista do sonho contempla a própria bem-aventurança.

Vê-se primeiro um mar de pedra. Vagas e vagas sideradas, hirtas e hostis, contidas na sua força desmedida pela mão, inexorável dum Deus genesíaco. Tudo parado e mudo.

Apenas se move e se faz ouvir o coração no peito, inquieto, a anunciar o começo duma grande hora.De repente rasga a crosta do silêncio uma voz atroadora:

- Para cá do Marão, mandam os que cá estão!...

Sente-se um calafrio. A vista alarga-se de ânsia e de assombro. Que penedo falou? Que terror respeitoso se apodera de nós?

Mas de nada vale interrogar o grande oceano megalítico, porque o nume invisível ordena:

- Entra!

A gente entra e já está no Reino Maravilhoso.


Miguel Torga

Caçarelhos v.s Camilo

Não sei que contas teria Camilo Castelo Branco com as gentes de Caçarelhos, é contudo deplorável que se tenha vingado de uma ou duas pessoas, em toda a Freguesia de Caçarelhos.

Calisto Elói, não é nem de perto nem de longe, representativo das gentes de Caçarelhos. Gente trabalhadora, possuidora de empreendedorismo, quando fora da terra é certo. Mas fazer das gentes de Caçarelhos um bando de parolos imorais não é correcto.

Seria Calisto Elói um auto-retrato de Camilo Castelo Branco?

Será uma investigação histórica engraçada, se callhar digna de best-seller, e capaz de fazer descer do trono tão pomposo letrista.