segunda-feira, 16 de abril de 2007

Trás-os-Montes

Aqui fica o meu tributo ao maior poeta transmontano de todos os tempos:


Um Reino Maravilhoso (Trás-os-Montes)

Vou falar-lhes de um reino maravilhoso.

Embora haja muita gente que diz que não, sempre houve e haverá reinos maravilhosos neste mundo. O que é preciso, para os ver, é que os olhos não percam a virgindade original diante da realidade, e o coração, depois, não hesite.

O que agora vou descrever, meu e de todos os que queiram merecê-lo, não só existe, como é dos mais belos que um ser humano pode imaginar. Senão reparem:

Fica no alto de Portugal, como os ninhos ficam no alto das árvores para que a distância os torne mais impossíveis e apetecidos. Quem o namora cá de baixo, se realmente é rapaz e gosta de ninhos, depois de trepar e atingir a crista do sonho contempla a própria bem-aventurança.

Vê-se primeiro um mar de pedra. Vagas e vagas sideradas, hirtas e hostis, contidas na sua força desmedida pela mão, inexorável dum Deus genesíaco. Tudo parado e mudo.

Apenas se move e se faz ouvir o coração no peito, inquieto, a anunciar o começo duma grande hora.De repente rasga a crosta do silêncio uma voz atroadora:

- Para cá do Marão, mandam os que cá estão!...

Sente-se um calafrio. A vista alarga-se de ânsia e de assombro. Que penedo falou? Que terror respeitoso se apodera de nós?

Mas de nada vale interrogar o grande oceano megalítico, porque o nume invisível ordena:

- Entra!

A gente entra e já está no Reino Maravilhoso.


Miguel Torga